quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Não é exatamente uma confeitaria Colombo...

Era uma casca de laranja que completava o café preto, pequenino pedaço meio ressecado feito um confeito exótico, ríspido e igualmente azedo... não amargo como deveria, mas azedo. O café naquele pedaço de chão no centro do Rio de Janeiro ainda era ótimo como se esperava, o endereço cuja rua não se diz o nome, é bem próximo à confeitaria colombo e no caminho um pai de santo me parou um instante todo trajado em seus panos brancos, colares de contas e cachimbo artesanal - puxou-me bruscamente e disse: "não entre agora na confeitaria Colombo" - Pensei comigo, como ele sabia que eu estava indo à confeitaria Colombo... ele apontou para um amontoado de botecos e reforçou - Tome um café ali. - e foi tudo. Achei que fosse me convidar a uma consulta, búzios, trabalhos, despachos, prosas sobre exus, pombas que giram ou não... mas não! Só isso? Tome um café ali?

Segui, degustando o aroma do café naquela xícara suja... honesto, mas estranho. Sem entender porque tinha que ser naquele café. Detive meu olhar observando as pessoas que caminhavam pela calçada com suas faces lambidas por aquela luz reta de sol de meio dia, dura, seca, bruta e intensa. Quente, tão quente que deixava toda a gente brilhante de suor, alguns desfilando belos oculos de sol outros, não! Quando olhei novamente ao naco de casca de laranja que recortado em forma de espiral até tinha uma apresentação interessante percebi que não era propriamente uma casca de laranja, a espiral se movia lenta e suavemente, e a cor era laranja, mas o objeto tinha vida... e confuso, ao terminar o ultimo gole de café daquela xícara o falso elemento decorativo se revelava uma decrépita larva, se espreguiçando toda cheia de si no meu píres.

Maldito pai de santo, pensei comigo enquanto olhava para a tal larva que crescia no píres feito uma lagarta querendo virar serpente. Não sabia o que pensar sobre? Em volta ninguém parecia notar a tal larva e quando apertei o olhar firme focando no objeto que se movia (já que um nojo me impedia de tocar novamente aquele píres) ao longe, do outro lado da calçada, no fundo da imagem que minha visão periférica desenhava, percebi, um homem prostrado observando o café, em silêncio, trajando um paletó preto, pelos óculos escuros não era possível saber onde seus olhos observavam, apenas que atrás de mim, ao alto, na parede do boteco-café-chãosujo, havia uma televisão não muito grande, transmitindo um jogo de futebol? Acho que era um programa desportivo mostrando os gols da rodada, não sei.

Fiquei intrigado pela figura silenciosa prostrada lá, uns dois minutos se passaram e ele permanecia encarando o boteco. Numa mesinha suja no canto, um outro homem com os cabelos sujos, bem curtos, trajando uma camiseta regata do flamengo parecia tenso com a figura daquele homem... E eu já sentia que a larva do pires se transmutara numa lesma... acho que algum narcótico havia naquele café. Tantas histórias me contavam de golpes sorrateiros pelos cantos do Rio de Janeiro que comecei a desconfiar do adoçante... do café... de tudo... O homem no canto tinha uma grande tatuagem no braço direito com uma imagem de Iemanjá, e isso transmiu-me um misto de conforto e tensão... Lembrei do Pai-de-Santo na hora, nesse momento percebi num canto do boteco, meio escondido atrás de uma daquelas geladeiras verticais para cerveja um daqueles famosos 'pretos-velho' com caximbo na boca ali, estatuazinha com seu metro e vinte de altura, não era assim tão diminuto, mas sorrateiro, só se via do canto onde eu estava e ainda assim, era difícil notar de primeira. Alguma coisa estava errada, certeza. O homem de regata repentinamente se levantou agitado para ir ao banheiro, ele vira algo que eu do meu campo de visão na enxergava, correu ao banheiro. Em seguida dois policiais militares entraram no boteco, pararam ao meu lado, ambos. Cheiravam tensão, os dois. Só um falou, num tom rude.
"Mermão dois energéticos" (Porra? Dois energéticos na hora do almoço) Puxei o pires discretamente com minha Larva, que de lesma crescera e já parecia um verme... Devia falar a eles que alguém me dopara? Que talvez estivessem rondando o boteco para me aplicarem um golpe? Eles achariam talvez que eu era um drogado? Ou um turista mané? Ou o que?

O homem do outro lado da calçada se mantinha prostrado, teimoso, com o pesado paletó e os óculos escuros. Tem horas que nos enche de raiva essa nossa impotência ante situações ignóbeis; O que fazer meu Deus? Que Deus o que? (Pensei comigo...) Que nada...

O outro policial chamou para perto de si o dono do bar, quase avançando sobre o balcão.
- Ele está aí não é?
Ouvi ele indagando ao homem, o semblante do dono do bar era de uma palidez gástrica e ele respondeu com os olhos apenas, movendo-os de forma sutil na direção da porta do banheiro.

O cara com a camiseta regata do Flamengo - pensei comigo, será que ele que havia me dado algo no café? Será que o cara do outro lado da rua era então um cúmplice dele? A luz parecia mais turva, e eu vi, nitidamente a coroa dos abacaxis que decoravam toscamente uma prateleira de frutas murcharem, descendo sob os frutos recobrindo-os como que se se transformassem em espécies de perucas de dread... aquilo me perturbou ainda mais. Algo estava de fato alterando minha percepção das coisas, achei por bem então pedir alguma ajuda ao policial que estava do meu lado, porém, a hora que fui chama-lo pelo braço ele esbarrou no meu pires e jogou minha larva-lesma-verme-casca de laranaja ao chão... o bicho insólito se desmembrou em três pequeninas serpentes e eu caí sentado meio metro de distância das cobras.

Tudo tão de repente que pareceu um lapso de segundo, o outro policial dirigindo-se ao banheiro e este que derrubou o pires voltou-se a mim estendendo a mão.

- MHunmm brsrhummm Mfufumsn?!

Foi o que consegui entender das palavras dele, enquanto o braço esticado parecia querer ajudar-me a levantar.

- Hã?

O outro policial saiu do banheiro correndo e este que quase me prestava auxilio igualmente levantou-se ao mesmo tempo que as cobras sumiam entre os rejuntes do piso. Ninguém saíra do banheiro, isso é fato e do outro lado da rua o homem com óculos escuro permanecia prostrado...
Me levantei, tentando me recompor.

- Uma água mineral?

Tomei a água agora encarando o homem de paletó, se ele fosse cumplice do flamenguista eu haveria de descobrir, no entando um pedestre desatento esbarrou no homem, que numa grande trombada teve o óculos de sol lançado ao longe e permaneceu abaixado aflito tateando o chão procurando o objeto, com um par de olhos brancos como a lua...

teve auxilio de uma mocinha negra, irritada ainda xingou o pedestre desavisado enquanto pegava os óculos devolvendo ao homem exatamente no instante que uma mulher chegou-se junto deles.
Ele apenas com as mãos soltas ao ar, tentando 'ver' quem era? ou ouvir quem era?!

- Obrigado! - consegui ler a palavra dita por seus lábios, e a moça negra partiu dali numa direção, e o misterioso cego de paletó, agora acompanhado por uma mulher, caminhou ao outro lado...

Eu, terminei minha água estiquei as pernas, ainda olhei ao chão, sabendo que uma ou outra larva ainda apareceria... mas apareceu de novo o pai de santo pela calçada ali...

- Que tá olhando o chão aí Paulista? Fica tranquilo, que esses bueros hoje não explodem não! - Ele saiu rindo...

Pus o pé na calçada e toquei meu rumo em direção ao largo da carioca... (como ele sabia que eu era paulista? - fiquei pensando comigo mesmo!)